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Uma “medicina doce do patrimônio”
O inventário como instrumento de proteção do
patrimônio cultural – limites e problematizações
Marcos Olender
“O
inventário é uma espécie de 'medicina doce' do patrimônio” (1)
Segundo
André Chastel, “a ideia de um 'inventário geral' dos bens culturais” teria
surgido “na época das 'Luzes”, mais especificamente a partir da ação das
academias provinciais que elaboraram, entre 1770/1780, “perspectivas gerais,
por vezes publicadas sob o título ingrato de 'estatística'“, e onde “se fazia
menção, ao lado dos recursos agrícolas, econômicos etc., às obras históricas
interessantes” (2). Mas o próprio Chastel reconhece, como faz Choay, que foi
com a Revolução Francesa que tomou corpo, pela primeira vez, uma inventariação
sistemática dos bens culturais.
O
inventário dos bens culturais surgiu, efetivamente, aponta Choay, como
inventário de uma herança “deixada” pelas classes hegemônicas do Antigo Regime
(Nobreza e Clero) para a França revolucionária. Fazia-se necessário identificar
precisamente os bens do espólio que havia sido nacionalizado, caracterizá-los e
descrever o seu real estado de conservação. Era, portanto, um levantamento de
bens já protegidos, ou melhor, que encontravam-se sob a guarda do novo Estado
até que se decidisse o que se fazer com eles (3). A sistematização e a
orientação desta coleta de dados se deu, em 1793, com a publicação da
“Instruction sur la manière d'inventorier”, por Felix Vicq D'Azyr. Este renomado
cientista, “especialista em anatomia do cérebro e um dos criadores da anatomia
comparada”, informa-nos Choay:
“[...]
transpôs para o domínio dos monumentos históricos tanto a terminologia como os
métodos descritivo e taxionômico que o celebrizaram em sua disciplina. Pôs
também a serviço da proteção do patrimônio nacional seu saber pedagógico e a
experiência do zoneamento territorial da França, que ele havia desenvolvido em
suas pesquisas sobre epizootias. [...] [Vicq d'Azyr] constitui o exemplo de uma
nova figura, pela primeira vez prática, das relações fecundas entre as ciências
naturais e o estudo dos monumentos históricos. Em matéria de arquitetura, a
ficha-padrão estabelecida meio século mais tarde sob a direção de Mérimée, não
será mais precisa que a da seção XI da Instruction” (4).
As
intenções e/ou iniciativas de inventariação havidas durante o século XIX não
lograram um efetivo êxito. Delas, Chastel ressalta a empreendida por Philippe
de Chennevières-Pointel que, após ser nomeado diretor da Academia de Belas
Artes, em 1873, inicia a elaboração do “Inventaire general des richesses d'art
de la France” que resultaria em um “modesto ‘ficheiro arqueológico’” (5)
publicado em poucos volumes. Demoraria até o início da década de 1960 para que,
a partir da iniciativa do próprio Chastel, o escritor André Malraux – então
Ministro da Cultura francês – instituísse, em 1964, a “Comissão nacional
encarregada do Inventário Geral dos monumentos e obras de arte da França”.
Coube a esta comissão a elaboração e implementação do citado Inventário que
apresentava-se como um “inquérito base”, um recenseamento das potencialidades
culturais e artísticas existentes em solo francês, muito mais próximo,
portanto, da iniciativa de Chennevières-Pointel, de 1873, do que daquela
implementada pela Comissão de Artes do governo revolucionário, a partir de
1793. Como afirma o seu próprio idealizador, André Chastel:
“A
finalidade do projeto tinha-se tornado clara: identificar tudo o que é digno de
nota no terreno, de modo a provocar uma tomada de consciência das populações
interessadas; estudar e classificar, de acordo com as técnicas mais eficientes,
edifícios e objetos, de modo a inscrevê-los na memória nacional” (6).
Realizado
até hoje, estruturado regionalmente e tendo sua gestão compartilhada com as
regiões e municípios franceses, o “Inventário geral”, cuja vocação é “para a
descrição e para o conhecimento” não pode ser confundido, como ressalta o
próprio Chastel, “com o serviço dos Monumentos Históricos”, ou seja, com as
ações mais imediatas envolvendo a proteção, como o tombamento e a restauração.
O seu maior objetivo é o de contribuir com a ampliação do conhecimento sobre a
arte e a cultura, tendo como objetivos específicos: “guiar as organizações de
turismo, dar suporte às finalidades do ensino, orientar a pesquisa arqueológica
e histórica, e dar, enfim, às comissões responsáveis pelos monumentos
históricos e pelo urbanismo, os elementos de ação suficiente” (7).
Como
aponta seu sucessor na subdireção do Inventário Geral, Jöel Perrin, o:
“Serviço
do Inventário foi concebido em paralelo ao Serviço dos Monumentos Históricos.
Este estava encarregado da gestão dos monumentos e obras de arte, enquanto que
aquele estava concebido como um serviço de investigação sem nenhuma preocupação
legal ou administrativa” (8).
Ou
ainda, como afirma Michel Melot, que sucede Perrin na coordenação deste
inventário a partir de 1995 (e até 2003), é um:
“serviço
de pesquisa [...] desligado de toda finalidade partidária. Esta é a condição de
sua eficácia e de sua missão democrática. A resposta não é dada antes da
questão. A escolha não é feita antes do inventário. Os gostos e as ideologias
patrimoniais são voláteis, e ninguém pode prejulgar as escolhas próprias a cada
época, a cada comunidade. Muitos esperam do inventário uma escolha entre o bom
patrimônio e o mau, o útil e o inútil. Em breve, [esperarão] uma espécie de
permissão para demolir ou uma classificação de guia turístico. Uma tal
classificação é sempre possível a partir das informações fornecidas pelo
inventário mas não tem mais valor do que lhe dá seu autor e pertence a cada um
de fazer o seu. O Inventário assinala os objetos que merecem ser protegidos,
mas ele deve, também, conservar a memória daqueles que vão ser destruídos. Sua
irresponsabilidade é a condição de sua sinceridade. O que não quer dizer que
ele seja inocente. O fato de reter ou não um objeto valoriza este objeto ou o
desqualifica. O inventário é uma espécie de 'medicina doce' do patrimônio” (9).
Este
“Inventário Geral” tem função diferente, na própria gestão da preservação do
patrimônio cultural francês, daquilo que é denominado de “Inventário
suplementar dos monumentos históricos”, figura existente, segundo Paulo Ormindo
de Azevedo, desde 1948, na legislação francesa, complementando a lei de 31 de
dezembro de 1913 sobre os monumentos históricos. Esta figura encontra-se,
também, explicitada no “Code du Patrimoine – Partie Legislative”, de
2005 e funciona como uma classificação (como o tombamento é denominado na
França) emergencial, complementar e mais flexível. Tanto que a própria
legislação diz que, suscitada por uma demanda de intervenção no bem constante
deste “inventário suplementar” pelo proprietário do mesmo, a autoridade
administrativa terá um prazo (de até cinco anos, dependendo do caso) para
proceder à sua classificação (ou tombamento) definitiva. Esta figura do
“Inventário suplementar” foi transposta, também, para a atual “Lei de Bases do
Patrimônio Cultural”, de Portugal, promulgada em 08 de setembro de 2001.
Duas
espécies de inventários presentes na gestão do patrimônio cultural francês e
que têm objetivos e funções diferentes, porém complementares, a partir do
momento que, como diz o próprio idealizador do Inventaire Général,
André Chastel, este último tem como uma das suas principais funções a de
fornecer elementos e, com isso, subsidiar as ações das “comissões responsáveis
pelos monumentos históricos e pelo urbanismo” (10). Comissão dos Monumentos
Históricos, por sua vez, responsável pela elaboração do citado “Inventário
Suplementar”.
Atualmente,
estes dois significados de inventário aparecerão nas legislações e
procedimentos da gestão do patrimônio cultural, de diversos níveis, no Brasil,
sendo que, como veremos, o primeiro dos significados, ou seja, a figura do
inventário, enquanto sistematização de conhecimento (ou identificação),
encontra-se consolidada historicamente tanto em nível nacional quanto regional,
sendo aquela utilizada rotineiramente em nosso Estado das Minas Gerais.
Institucionalmente,
a preocupação com a inventariação do nosso patrimônio encontra-se presente
desde os primórdios do SPHAN. Em 1939, Rodrigo Mello Franco de Andrade já
apontava para a necessidade desta ação, como pressuposto básico para a proteção
do nosso patrimônio. Diz ele:
“[...]
torna-se necessário proceder pelo país inteiro a um inventário metódico dos
bens que pareçam estar nas condições estabelecidas para o tombamento e, em
seguida, realizar os estudos requeridos para deliberar sobre a respectiva
inscrição” (11).
Neste
mesmo sentido, Lúcio Costa em seu Plano de Trabalho para a Divisão de
Estudos e Tombamento da DPHAN, escrito em 1949, ano no qual assume a direção
da citada divisão, aponta para a necessidade vital, para o bom funcionamento da
instituição, de coletas de informações para a especificação do “acervo
histórico-monumental de interesse artístico que nos incumbe preservar”. Coletas
estas que se dividem entre aquelas “de natureza técnico-artística” como as de
um “inventário de fotografias e plantas”, somadas “as decorrentes da observação
direta” e as “informações de natureza histórico-elucidativa”.
A
importância deste trabalho é tão grande que Lúcio não se furta em afirmar que,
se fosse necessário não se:
“[...]
vexaria de recomendar a paralisação quase completa das obras em andamento e o
cancelamento dos novos serviços [...] a fim de que as verbas da dotação anual
do DPHAN fossem integralmente aplicadas, durante dois ou três exercícios
consecutivos, nessa empresa de colheita e compilação maciça de informações –
fundamento sobre o qual deverão assentar todas as iniciativas da repartição”.
Só
que, orientado por uma visão historicista do que devia ser considerado
patrimônio nacional, ou seja, privilegiando os bens oriundos do nosso passado
colonial, Lúcio compara esta coleta de informações com uma “espécie de aventura
que deverá ser levada a cabo sem pressa, com o espírito esportivo próprio dos
caçadores”. A utilização da figura do “caçador”, não é porém a mais apropriada
para caracterizar o trabalho do inventariante pois, “diferente da ideia
do explorador, já parte para a aventura sabendo o que deseja encontrar” (12).
Lúcio desobedece, pois, uma das regras fundamentais da inventariação, segundo
Melot, a de que: “A resposta não é dada antes da questão. A escolha não é feita
antes do inventário”.
Somente,
porém, na década de 1970, o inventário, enquanto “inventário de conhecimento”,
desenvolve-se de forma mais estruturada no Brasil. Isto deve-se à atuação de
Paulo Ormindo de Azevedo, que implementou, a partir de 1973, o “Inventário de
Proteção do Acervo Cultural da Bahia (IPAC-BA)”. Este descende, diretamente do
“Inventário de Proteção do Patrimônio Cultural Europeu”, cujas diretrizes
metodológicas foram publicadas, em 1970, na Itália (13). Como o seu ancestral
italiano, o IPAC-BA seguia a definição de “inventário de proteção” dada pela Confrontação
A, reunião realizada em Barcelona, em 1965, que dedicou-se exatamente à
elaboração de “critérios para um inventário de sítios e conjuntos históricos ou
artísticos com vista à sua conservação e valorização” (14). Nela definiu-se
“inventário de proteção” como sendo aquele capaz de “identificar e reunir as
informações indispensáveis à preservação dos bens culturais” (15).
O
IPAC-BA, afirma Paulo Ormindo, não se restringia ao levantamento do patrimônio
já reconhecido legalmente, como faziam alguns países, pois isto eliminava “uma
de suas mais importantes funções, a de recenseamento do universo cultural mais
amplo, não seletivo”. Com ele, procurava-se realizar “um cadastramento cultural
sistemático do território, que pudesse servir de base ao planejamento
urbano-territorial e não apenas à preservação de alguns edifícios isolados”.
Seguindo
esta mesma orientação, a partir da década de 1980, multiplicaram-se dentro do
IPHAN, iniciativas de elaboração de “inventários de conhecimento”. Em 1995,
como uma primeira tentativa de sistematização destas experiências com a
inventariação, é realizado o “Encontro de inventários de conhecimento do
IPHAN”. Neste encontro, alterou-se a denominação deste para “inventário de
identificação” por ser o “termo utilizado pela UNESCO para trabalhos com esse
caráter de investigação” (16).
Sobre
estes inventários, e a forma como eles atendem a atribuição dada a eles pelo
artigo 216 da Constituição Brasileira de 1988, de instrumento de promoção e
proteção do patrimônio cultural, afirma a equipe responsável pela elaboração e
coordenação dos mesmos:
“Os
inventários de identificação têm-se constituído no instrumental técnico para
atender a essa nova demanda [expressa na Constituição de 1988], possibilitando
a seleção e o registro de novos valores para preservação, assim como a reflexão
sobre novas alternativas ´para o cumprimento das competências e deveres da
instituição” (17).
No
que concerne ao Estado de Minas Gerais, dez anos depois do início do IPAC-BA,
em 1984, instala-se o seu congênere mineiro, o IPAC-MG, desenvolvido desde
então pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais (IEPHA-MG) e que, segundo suas próprias normas, publicadas pelo
Instituto em 1985, como informa Leonardo Castriota, “vai ser [...] um
'inventário de conhecimento', voltado para a 'identificação dos bens de
interesse de preservação', com vistas a estimular 'sua proteção e estudo
posterior’” (18). Parte, diz Castriota, “de uma concepção ampliada de
patrimônio e procura evitar a discriminação monumental”, mas não avança por não
procurar uma forma de subsidiar, também, o planejamento urbano visto, também,
pelo citado autor, como outra possível forma de preservação. Algo que estava
presente em outra iniciativa de “inventário de conhecimento” da mesma época da
instalação do IPAC-MG, o “Inventário Geral do Patrimônio Ambiental e
Cultural Urbano de São Paulo”, iniciado em 1983 e que, além de ser pensado
como
“[...]
mero registro ou preparação para o tombamento [...] passa a pretender participar
nas políticas e planos de desenvolvimento urbano, no que diz respeito às áreas
a serem preservadas e outras sujeitas à renovação urbana, objetivo que é
respondido com a elaboração de propostas específicas de preservação e de
regulação urbana (1987)” (19).
Tal
foi o caminho também trilhado, uma década depois, pelo IPUC-BH (Inventário de
Patrimônio Urbano e Cultural de Belo Horizonte), iniciado em 1993 e que
aprimora a metodologia utilizada na metrópole paulista, preocupando-se em
“reconhecer e documentar o patrimônio, entendido em sua forma mais abrangente e
contemporânea, [o que] possibilita a elaboração de propostas de preservação
integradas com a política urbana geral para o município” (20).
A
partir de fins de 1995, Minas Gerais conta com uma nova legislação de
redistribuição do ICMS. Batizada de “Lei Robin Hood”, a parte da documentação a
ser encaminhada pelo município para atendimento do quesito “Patrimônio
Cultural” é coordenada e avaliada pelo IEPHA-MG. É inegável que a aplicação de
tal lei, na área concernente à preservação do patrimônio cultural, contribuiu
muito para a difusão e para o desenvolvimento das ações concernentes a esta
preservação na maioria dos municípios mineiros. Desde 2001, um dos itens a
serem atendidos pelos municípios é o da realização de um “Inventário de
Proteção ao Acervo Cultural (IPAC)”. Este, informa a deliberação normativa
elaborada pelo próprio IEPHA: “é instrumento de orientação às ações do poder
público e das comunidades para a implementação da política cultural local, bem
como às ações de preservação nas esferas estadual e federal”. No próprio
modelo de “Lei Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural”, disponibilizado
pelo IEPHA aos municípios, aparece a concepção de inventário como “inventário
de conhecimento”. No capítulo III, concernente aos instrumentos de proteção, o
inventário é definido, no art. 7º como: “o procedimento administrativo pelo
qual o poder público identifica e cadastra os bens culturais do Município, com
o objetivo de subsidiar as ações administrativas e legais de preservação” (21).
Por
outro lado, a partir do artigo inscrito por Paulo Ormindo na revista
comemorativa do cinquentenário do IPHAN, em 1987, a concepção de inventário
enquanto “suplementar” ao tombamento, aparece como possibilidade no Brasil.
Esta se encontra presente, por exemplo, na legislação, em diversos níveis. Em
nível municipal, como no 2º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental
do município de Porto Alegre (Lei nº. 434 de 01 de dezembro de 1999) onde, no
Capítulo IV, referente à “Qualificação Ambiental” o artigo 14 apresenta, junto
à figura do tombamento, as figuras das edificações “Inventariadas de
Estruturação ou de Compatibilização”, sendo que: “I - de Estruturação é aquela
que por seus valores atribui identidade ao espaço, constituindo elemento
significativo na estruturação da paisagem onde se localiza; II - de
Compatibilização é aquela que expressa relação significativa com a de
Estruturação e seu entorno, cuja volumetria e outros elementos de composição
requerem tratamento especial”.
A
este se junta, em nível estadual, o Decreto nº 10.039 de 03 de julho de 2006,
do Governo da Bahia que, já em seu primeiro artigo do primeiro capítulo, aponta
como um dos “institutos” de proteção do seu patrimônio cultural, o “Inventário
para a Preservação”, que possui a mesma função preservadora do “Inventário
Suplementar” francês, possuindo, inclusive, como no caso do Tombamento, os seus
livros de inscrição específicos: os Livros “do Inventário para a Preservação
dos Bens Imóveis e Conjuntos” e “do Inventário para a Preservação dos Bens
Móveis e Coleções” (22).
Note-se
que, toda vez que a figura do inventário aparece, em solo brasileiro, em alguma
legislação com um significado diferente daquele tradicionalmente assumido, ela
apresenta-se adjetivada (“de estruturação”, “de complementação”, “para a
preservação”). Quando ela aparece com este significado já consolidado, aparece
simplesmente denominada de “inventário”, ou então como “inventário de
conhecimento”, “de identificação” ou “de proteção”.
Neste
caso, nos provoca um certo incômodo quando, em 2007, a deputada Gláucia
Brandão, apresenta como proposta de projeto de lei para a Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, uma regulamentação do “regime jurídico dos bens
materiais inventariados como patrimônio cultural” na qual torna equivalente os
bens inventariados aos bens tombados, como bem explicita, por exemplo, os seus
artigos 4º (“os bens culturais inventariados somente poderão ser demolidos,
destruídos, deteriorados, descaracterizados ou alterados mediante prévia
análise e autorização, tecnicamente justificada, do órgão do patrimônio
cultural competente”) e 5º. Após passar pela Comissão de Constituição e
Justiça, o projeto teve a sua redação “amenizada”, mas manteve a sua disposição
inicial, como se observa no art 3º que constitui-se em uma transcrição literal
do art. XX da lei portuguesa de 2000, onde o inventário aparece como sinônimo
do “inventário suplementar dos monumentos históricos” do Código Patrimonial
francês.
Entendemos
que, a partir do momento que, historicamente, o inventário se consolida, no
Brasil, como aquilo que denominamos de “inventário de conhecimento ou de
identificação” e que, nos últimos anos – principalmente a partir da própria
atuação do poder judiciário – começa, concomitantemente, a ser utilizado como
sinônimo daquilo que na França é denominado de “inventário suplementar” nos
cabe, para não incorrermos em uma confusão que será bastante prejudicial para o
desenvolvimento das políticas e das práticas de preservação do patrimônio em
nosso país, partir para uma melhor denominação das ações hoje empreendidas com
este nome. Penso que possuímos, neste caso, duas opções: 1) manter-se a
denominação de inventário para aquela ação que já encontra-se há mais tempo
consolidada e criando-se outra denominação para o citado “tombamento flexível”;
ou 2) adjetivar, sempre, os dois tipos de inventário aqui apresentados,
denominando-se aquele inventário que entendemos já consolidado como “inventário
de conhecimento”, “inventário de identificação” ou “inventário de proteção” e o
segundo tipo de “inventário para a preservação” (como faz a legislação baiana),
ou “inventário de estruturação e de complementação” (como faz a gaúcha), ou
algum outro termo que o diferencie do anterior. Só assim, poderemos contribuir
para a resolução desta questão que, infelizmente, provoca um desacordo entre
diversos e importantes agentes responsáveis pela preservação deste patrimônio.
notas
[O
presente artigo foi apresentado no XVI Encontro Regional da Associação Nacional
de História (ANPUH) – Seção Minas Gerais tendo sido publicado em seus
respectivos Anais, em julho de 2008]
3
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo, Estação
Liberdade / UNESP, 2001, p. 98-100.
4
Idem, p. 115.
5
CHASTEL, André. Op. cit., p. 3.
6
Idem, p. 4.
7
Apud FONSECA, Maria Cecília Londres. “A Noção de Referência Cultural nos
Trabalhos de Inventário”. In: MOTTA, Lia; SILVA, Maria Beatriz Resende.Inventários
de Identificação: um panorama da experiência brasileira. Rio de Janeiro,
IPHAN, 1998, p. 29-30. Ver, também, a mesma citação em: MELOT, Michel. Op.
cit., p. 1.
8
PERRIN, Jöel. “El inventario del patrimonio histórico en Francia”, In:
INSTITUTO ANDALUZ DEL PATRIMONIO HISTÓRICO. Cuadernos: Catalogación del
Patrimonio Histórico. Sevilha, Junta del Andalucia, 1996, p. 129.
9
MELOT, Michel. Op. cit., p. 3.
10
Neste sentido discordamos do Dr. Marcos Paulo de Souza Miranda, quando este,
considera como inventário apenas aquele procedimento correlato com o do
"Inventário suplementar dos monumentos históricos franceses". Ver.
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como instrumento
constitucional de proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11164&p=2>.
11
ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Rodrigo e o SPHAN. Rio de Janeiro,
MinC / SPHAN / Pró-Memória, 1987, p. 51 e 52.
12
EQUIPE DE INVENTÁRIOS E PESQUISAS DO DID/IPHAN. “Diagnóstico dos Inventários de
Identificação do IPHAN”, In: MOTTA, Lia; SILVA, Maria Beatriz Resende (org.).
Op. cit., p. 14.
13
GAZZOLA, Pietro. L'inventario di protezione del patrimonio
culturale.Settore dei beni immobili. IPCE. Scopo e norme di esecuzione.
Verona, 1970. Ver: AZEVEDO, Paulo Ormindo. “Inventário como Instrumento de
Proteção: A Experiência Pioneira do Ipac-Bahia”, In: MOTTA, Lia; SILVA, Maria
Beatriz Resende (org.). Op. cit., p. 64.
14
A Confrontação A, reunião realizada em Barcelona, em 1965, foi o
primeiro – de um total de cinco – dos encontros convocados pelo Conselho da
Europa, para discutir-se a implementação da Recomendação 365,
editada pelo citado Conselho, em 1963, para orientar a "defesa e
valorização dos sítios e conjuntos históricos europeus". Idem, p. 61.
15
Idem, p. 65.
16
MOTTA, Lia; SILVA, Maria Beatriz Resende (org.). Op. cit., p. 7.
17
EQUIPE DE INVENTÁRIOS E PESQUISAS DO DID/IPHAN. Op. cit., p. 12.
18
CASTRIOTA, Leonardo Barci. “Inventários urbanos como instrumentos de
conservação”, In: LIMA, Evelyn Furquim Werneck; MALEQUE, Miria Roseira
(org.). Espaço e cidade: conceitos e leituras. 2 ª ed. Rio de
Janeiro, 7 Letras, 2007
19
Idem, p. 74.
20
Idem, p. 75.
21
IEPHA-MG, Modelos ICMS Patrimônio Cultural. Disponível em: <http://www.iepha,mg.gov.br>
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INVENTÁRIO
DEVE SER INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO
·
Segundo o Promotor Marcos Paulo de
Souza Miranda "O inventário, enquanto instrumento de proteção ao
patrimônio cultural, não é de origem brasileira. Na verdade, os inventários são
uma das mais antigas formas de proteção do patrimônio cultural em nível
internacional.
Na França, por exemplo, onde a política formal do inventário se iniciou em
1837, atualmente existem cerca de 40 mil monumentos inscritos no Inventário
Complementar dos Monumentos Históricos.
Na Carta de Atenas, que reúne as conclusões da conferência da antiga Sociedade
das Nações, realizada em 1931 para tratar da proteção dos monumentos culturais,
já se preconizava a publicação, pelos Estados, de um inventário dos monumentos
históricos nacionais, acompanhado de fotografias e informações (CURY, 2000, p.
17).2
Tendo em vista os objetivos do presente trabalho, nos limitaremos a trazer à
colação a regulamentação completa do instituto do inventário em apenas três
países: França, Portugal e Espanha, que possuem larga tradição e elevado nível
de eficiência na tutela do patrimônio cultural, o que é fato notório em âmbito
mundial."
De acordo do o promotor o fundamento constitucional do inventário no
ordenamento jurídico brasileiro vem "com o advento da nova ordem
constitucional, o inventário passou a integrar o rol dos instrumentos eleitos
pela vontade popular - representada pelos constituintes - para se conferir aos
bens móveis e imóveis o status de bem dotado de valor cultural. Como
efetivamente dispõe o art. 216, §1º, da Constituição da República:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá
o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação. (grifos nossos)
Assim, por força do novo texto constitucional o tombamento –
antes visto, já de forma equivocada, como o único instrumento de
preservação do patrimônio cultural existente no ordenamento jurídico brasileiro
– passou a ser considerado como apenas um deles. Mas mesmo assim,
infelizmente é ainda recorrente o senso comum confundir tombamento com proteção
ao patrimônio cultural. A proteção pode se dar por diversas formas, inclusive
pelo tombamento, mas não somente por ele."
Mas este inventariamento dos bens deve ser comunicado aos proprietários, assim
sendo, em 2008 o inventario foi reiniciado e teremos a possibilidade de
executar de forma correta segundo os termos explícitos de um processo de
inventário de bem cultural. É nosso papel auxiliar o poder público na correta
aplicação desse instrumento de proteção de nossa memoria.
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INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO DO ACERVO
CULTURAL
Ruth Villamarim Soares - Ex Diretora de Proteção e Memória do IEPHA/MG
Um dos primeiros e fundamentais passos para o efetivo conhecimento
da realidade cultural mineira é proceder ao inventário de seu imenso e
diversificado acervo, especialmente na área de patrimônio histórico e
artístico. A partir desse levantamento e avaliação é que o órgão incumbido de
elaborar e executar a política de preservação dos bens culturais poderá dirigir
sua ação, priorizando atividades e recursos. É este o objetivo do Inventário de
Proteção do Acervo Cultural - IPAC/MG que vem catalogando municípios, identificando
seus acervos, inclusive apontando estado de conservação e importância no
contexto cultural do Estado.
Concebido para ser empreendido de acordo com as
necessidades concretas do Estado, o IPAC/MG caracteriza-se como uma operação
permanente, dinâmica e sistemática, visando ao registro de manifestações
humanas, em suas diferentes criações espontâneas e formais e de potencialidades
naturais.
A investigação que conduz ao conhecimento dos
bens culturais não tem procurado esgotar, mesmo porque não é essa a sua
finalidade, a análise completa de uma casa, de um conjunto urbano, de um
arquivo, de um sítio pré-histórico ou de uma peça sacra. Está sim, com base nos
princípios enunciados e experiências de organismos nacionais e internacionais,
catalogando-os para sua real identificação, estimulando assim sua proteção.
Conhecer os bens de interesse para preservação
é, consequentemente, premissa para qualquer proteção. Este conhecimento tem se
revestido de interesse especial, não só em função de ter revelado a existência
de valores ainda não suficientemente conhecidos mas, também, impondo-se com
urgência imprescindível face às violências de natureza sócio urbanísticas que
atingem as cidades e regiões do Estado, muitas delas em acelerado processo de
crescimento e transformações. Muito pouco se sabe sobre o patrimônio cultural
e, se por um lado tem-se alguns valores pesquisados em profundidade, por outro,
muitos de inquestionável importância continuam descurados e desconhecidos por
completo, permanecendo à margem de qualquer proteção efetiva.
Daí a necessidade de se efetuar uma análise
objetiva para o resgate da histórica e para o conhecimento dos bens que compõem
o acervo de interesse de preservação, para em seguida formular políticas
necessárias para sua conservação, restauração e valorização, tendo em vista que
a ação empreendida neste sentido
responda a uma necessidade social contemporânea e a uma preocupação
governamental.
A identificação dos bens de interesse de
preservação que vem ocorrendo adquire relevância ainda maior se levada em
consideração a grande extensão territorial de Minas Gerais, com uma divisão
administrativa constante de 851 municípios, abrangendo por volta de 6171
localidades, com uma potência de cerca de 50.000 edificações, centenas de
sítios arqueológicos e espeleológicos, uma infinidade de bens móveis e arte
aplicada, além das reservas ecológicas e ambientais. Ressalte-se ainda que o
IPAC trabalha com a concepção de que o patrimônio cultural não é somente o
gerado no ciclo do ouro, certamente a época mais nobre em matéria de acervo
histórico e artístico, mas não a única que produziu bens que mereçam ser
preservados.
Estes motivos justificam a realização do
Inventário que visa apresentar uma síntese dos bens culturais em suas diversas
categorias e dos valores a eles atribuídos. Estabelece-se assim uma consciência
preservacionista e pode-se analisar as possibilidades de cooperação para
salvaguarda e difusão destes bens.
O IPAC é, portanto, com base em todas estas
considerações, um inestimável e imprescindível passo para o desenvolvimento de
uma política cultural mineira realista, correta e conseqüente.
outras informações: