QUANDO O MUNDO ERA SEM COR
PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS
PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
domingo, 5 de outubro de 2014
ESTRADA DE FERRO
Os
Caminhos Feitos de Ferro
Com a chamada Revolução
industrial iniciada a partir da Inglaterra nos primeiros anos do século XIX e
logo em seguida se estendendo pelo restante da Europa, começou a concentração
dos meios de produção em fabricas, substituindo as oficinas caseiras. Está
concentração somente foi possível devido às invenções do século XVIII,
principalmente o tear mecânico e a máquina a vapor. O aumento da produção
acarretado pelas mudanças no sistema de produção levou à necessidade de ampliar
os mercados e dinamizar a distribuição dos produtos.
Assim, a busca por
novos meios de transportes de mercadorias e passageiros começaram a ser
esboçados a partir dos primeiros anos do século XIX: Em 1802, surgiu a
denominada “dirigência a vapor para estrada” construída pelos ingleses Richard
Trevithick e Andrew Vivian; Em 1808, Richard Trevithick apresentou a “Catch me
Who Can”. Em 1825, surgiu a primeira linha férrea considerada prática, que
ligava Darlington a Stockton.
A partir do concurso
promovido pela Estrada de Ferro Liverpool-Manchester em 1829, surgiu a máquina
denominada Rocket, construída por Stephenson. Esta máquina vencedora do
concurso começou a percorrer o trajeto Liverpool-Manchester somente a partir de
1830.
No Brasil, a
necessidade de meios de transporte ágeis e eficientes para o escoamento das
produções agrícolas do interior para o litoral foi sentida ainda nas primeiras
décadas do século XIX. Já em 31 de outubro 1835, o Regente Padre Feijó promulgou
a lei nº 101,[1] baseada
em projeto de lei do deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos, que concedia
favores aos interessados em implantar no país, uma estrada de ferro que pudesse
ligar o Rio de Janeiro à província de São Paulo e Minas Gerais. Está lei, no
entanto, apesar da várias tentativas de
alguns interessados, não surtiu efeito concreto.[2]
Expomos a seguir, trecho da lei:
“(...) conceder a uma ou mais companhias, que
fizerem uma estrada de
ferro
da Capital do Rio de Janeiro para as de Minas Geraes, Rio Grande do Sul
e
Bahia, carta de privilegio exclusivo por espaço de 40 annos para o uso de
carros
para transporte de gêneros e de passageiros.”
(LIMA,
Vasco. A Rêde Sul Mineira de Viação. São
Paulo: Copag, 1934, p.12. Decreto no. 101, de 31 de outubro).
Somente a partir da segunda metade do
século XIX é que o empresário e futuro Barão e Visconde de Mauá, Irineu
Evangelista de Souza, conseguiu construir a primeira estrada de ferro do
Brasil. O projeto de Irineu era construir uma estrada que ligasse o Rio de
Janeiro ao interior de Minas Gerais a partir de Porto Estrela seguindo
inicialmente até Petrópolis.
O projeto do empresário foi aprovado
em 27 de abril de 1852. Em agosto do mesmo ano iniciaram as obras contando com
a presença do Imperador, vários ministros, conselheiros do Estado e oficiais e
grande multidão de populares.[3] A
viagem inaugural aconteceu em setembro do ano seguinte. A extensão de quatorze
quilômetros e meio (14,5 km) da Estrada de Ferro foi inaugurada com grandes
festejos no dia 30 de abril de 1854:
“A agitação tomou conta
do lugarejo: bandas de música, coro de meninos, foguetes, bandeirolas
coloridas. Quando o barco que trazia o imperador chegou ao porto, formaram-se
duas alas de nobres, ministros e funcionários graduados. D Pedro II saudou a
todos e, acompanhado por Irineu, o presidente da companhia, dirigiu-se a um
armazém onde tinham sido montadas arquibancadas, no centro das quais ficavam as
cadeiras do imperador e da imperatriz, além do bispo – que tinha a importante
função de batizar as locomotivas da primeira ferrovia brasileira. Terminada a
cerimônia, a comitiva embarcou nos vagões especialmente decorados para a viagem
de quatorze quilômetros até o vilarejo de Fragoso, feita em pouco mais vinte
minutos. Dos dois lados dos trilhos, oficiais da Guarda Nacional ficaram
perfilados, enquanto os menos afortunados se espalhavam pelos morros para ver o
trem passar. De Fragoso o comboio retornou a Estrela, onde seria servido um
banquete na estação.”(CALDEIRA, 1996.p.291).
Em discurso
proferido aos credores, Mauá expos a sua visão sobre o papel da ferrovia no
sertão brasileiro:
“Ninguem
desconhece que o Imperio do Brazil patenteia aos olhos de todo o homem pensador
que contempla no Mappa-Mundi a extenção de seu territorio e respectiva
posição topographica, a necesidade indeclinavel de vias de communicação
aperfeiçoadas para que os thesouros que elle esconde em seus sertões venhão
auxiliar o desenvolvimento dos grandes recursos que encerra essa zona
privilegiada, contribuindo assim para que a nacionalidade espalhada sobre essa
superficie, alcance, porventura em um futuro não mui distante, a posição que
lhe compete no congresso das nações, isto é, o primeiro lugar.
Com
effeito, será pouca cousa fazer penetrar um caminho de ferro nos mais
afastados confins do nosso territorio,
conquistar ao deserto dezenas de milhares de leguas quadradas, levar-lhes a
população, os meios de trabalhar, habilitar enfim os habitantes de tão remotas
paragens a produzir e a consumir, concorrendo dessa fórma com o seu contigente
para a prosperidade e grandeza da pátria?
Será
pouca cousa arrancar, por assim dizer, as ricas producções que encerram as
entranhas dessa região afastada e conduzi-las por um rápido trajecto de 50
horas a um porto de mar, convertendo em riqueza o que não tem hoje valor algum
apreciável?”
(MAUÁ, Visconde de.
Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de Mauá & C e ao Publico.
Rio de Janeiro.:Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C, 1878, p.78.)
A
Estrada de Ferro de Irineu Evangelista não teve sucesso. Não chegou a Minas
Gerais. O Império, no entanto se envolveu no processo de instalação de Estradas
de Ferro. Em 9 de maio de 1855, pelo decreto nº 1.598, o Governo Imperial
anunciou o contrato de construção da estrada de ferro D. Pedro II, que teria
como finalidade unir a província do Rio de Janeiro com a de São Paulo. Os
trabalhos foram iniciados em 11 de junho daquele ano. Em 29 de março de 1858
foi inaugurado o tráfego na 1ª seção da linha.[4]
Em 1864, a “D. Pedro II” contava com
duzentos e vinte e um quilômetros (221 km) de linhas distribuídas por três
seções e um ramal. Pioneira em
Minas Gerais , a Estrada de Ferro D. Pedro II, uniu a
província à Corte. Os primeiros trilhos na província foram inaugurados em 1º de
maio de 1869, com a presença dos ministros da Marinha e da Agricultura.[5]
“Prosseguindo os
trabalhos de construção do ramal férreo em direção ao Porto Novo do Cunha, a
linha encontrou o Rio Paraibuna no quilômetro 183,290 nas divisas das
Províncias do Estado do Rio e de Minas Gerais. Nesse ponto, atravessou o
Paraibuna, sobre a ponte denominada Humaitá, que tinha uma extensão de 95,60
metros. Transposta esta obra de arte, ela penetrou no município de Mar de
Espanha, já em território mineiro.
Para assistir ao
lançamento dos primeiros trilhos o território da Província de Minas, em 1º de
maio de 1869, compareceram os Ministros da Agricultura e da Marinha e altas
autoridades do Império e da Província ”.
(PIMENTA, 1971. p.99 e100).
Dois meses depois, já somavam quatorze
quilômetros (14 km) de trilhos em território mineiro e nesse trecho construíram
as estações de Santa Fé e Chiador inauguradas com a presença do Imperador D.
Pedro II, da Imperatriz e várias autoridades, em 27 de junho de 1869.[6]
Até Queluz, atual Conselheiro
Lafaiete, foi utilizada a bitola larga. A partir desta localidade as linhas
foram construídas em bitola métrica prosseguindo para Miguel Burnier, Sabará,
General Carneiro, ganhando o Rio São Francisco.
Assim, a partir de 1869, o território
mineiro passou a ser trilhado por várias estradas de ferro, de diversas
companhias: a Estrada de Ferro Leopoldina, 1871; Companhia Mogiana de Estrada
de Ferro, 1872; Estrada de Ferro Bahia e Minas,1879; Estrada de Ferro Minas e
Rio, 1884; Estrada de Ferro Vitória-Minas,1890; Viação Férrea Sapucaí, 1891;
Estrada de Ferro Muzambinho, 1892; Estrada de Ferro Três-Pontana, 1895; Estrada
de Ferro Goiás, 1907; Estrada de Ferro Machadense, 1910; Estrada de Ferro São
Paulo-Minas, 1910; Estrada de Ferro Piranga, 1911; Viação Férrea Leste
Brasileiro, 1951 e a Estrada de Ferro Oeste de Minas, 1878.[7]
“A construção das
ferrovias em Minas Gerais, em grande medida, se deu pela ação das elites
regionais que exigiam, para sua área de domínio e ação, meio de transporte que
dinamizasse a chegada ao mercado das
mercadorias produzidas em vasta região.
Inicialmente foram
atendidos os produtores de café do Vale do Paraíba, e, consequentemente, para
seu entorno, como a Zona da Mata Mineira e o Oeste Paulista, e logo o mercado
interno demandaria modernização semelhante.” (SANTOS, Welber Luiz dos. A Estrada de Ferro Oeste de
Minas: São João Del-Rei (1877-1898)
Universidade Federal de Ouro Preto,Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-Graduação em História. Mariana, 2009. p. 121).
Estava claro que Minas Gerais havia
superado bem a decadência do ouro e do diamante e conseguido diversificar sua
economia ao ponto de justificar a instalação de ferrovias em seu território.
“Percebeu-se que a
sociedade mineira encontrou maneiras de preservar a economia das áreas
produtoras de alimentos mesmo com o declínio da produção de metais e pedras
preciosas. Os estudos demográficos apontam
para isso, justificando a permanência da demanda por gêneros. É
importante lembrarmos também do acúmulo da demanda sobre a produção de Minas
Gerais propiciado pelas exportações interprovinciais, principalmente para o Rio
de Janeiro (...).” (SANTOS, 2009. p.34).
Essa grande evolução do novo transporte de mercadorias
e pessoas, trouxe como consequência a mudança de hábitos das comunidades interioranas
e o fortalecimentos da moral burguesa, como nos informa Lídia Posas:
“(...) os caminhos de ferro não só construíram uma
territorialidade, na ocupação do espaço físico, mas neste mesmo espaço esquadrinharam práticas
sociais, estratégias de controle e tarefas rotineiras para o exercício de um
poder disciplinar que a sociedade burguesa exigia para a reprodução do capital
e, consequentemente, para sua acumulação”
(POSAS, 2001. P. 44).
Em
1889, a Estrada de Ferro D. Pedro II foi transformada na Estrada de Ferro
Central do Brasil, tornando-se o elo entre o Brasil do interior e sua produção,
com o litoral.
A Estrada de Ferro Oeste de Minas
Os interesses em explorar economicamente a região do
Rio Grande, até então pouco habitada e com deficiências de acesso, tornaram-se
evidentes a partir do momento em que os planos de construção de estradas de
ferro pela Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas passaram a contemplar a
região.
Em relatórios e falas dos presidentes
da província, em vários momentos do século XIX torna-se recorrente o discurso
estimulando a criação de transporte ferroviário aliado à navegação. O
presidente Joaquim Floriano de Godoy em 15 de janeiro de 1873, professava certo
receio sobre a construção da ferrovia por uma região de pouca produção, fora do
círculo cafeeiro:
“Muitas são as pretensões
para a organização de emprezas, que, partindo de São João d’El Rey, vão a
Lavras e de lá formem a navegação do R. Grande, desde a fóz do Ribeirão
Vermelho até a cachoeira da Bocaina. No Brasil onde os capitaes são escassos, é
preciso muita cautela em concessões desta ordem; e na Provincia de Minas, que
agora começa a ver os primeiros clarões das emprezas ferro-viarias, é
indispensável toda prudencia para não afugentar os capitaes em emprezas
improductivas” (GODOY, 1873. p.5).
Em outra passagem desse mesmo
relatório, encontra-se evidenciada a intenção
governamental em interligar o transporte da província de Minas
comunicando-a com outras províncias, visando encontrar-se com o litoral. “A
província de Minas Gerais, como V. Ex. bem sabe, está circulada pelas da Bahia,
S. Paulo, Rio de Janeiro e Espírito-Santo, que são banhadas pelo oceano, e,
portanto é preciso abrir estradas que comuniquem os mercados do litoral com
ella.” (GODOY, 1873. p.23).
Nessa ocasião, as dificuldades de
escoamento de mercadorias, produzidas em diferentes regiões, e o
desenvolvimento de atividades agrícolas, bem como da pecuária encontravam-se em
pauta nas discussões do governo provincial como pode-se verificar na fala do
presidente: “O meio único de salvação é dar sahida à sua produção actual,
fornecendo-lhe ao mesmo tempo recursos ao desenvolvimento, de sua lavoura e industrias, aplicando em seu ubérrimo solo
sementes novas, apparelhos e machinas aperfeiçoadas, por intermédio das
estradas de ferro.” (GODOY, 1873.
p.23).
Verifica-se no discurso político oficial a
preocupação de se transformar os locais conhecidos como sertões, não povoados e
não explorados economicamente, em regiões privilegiadas para o processo
civilizatório ocidental. Os sertões seriam regiões inóspitas e simbolizavam o
atraso diante das possibilidades de progresso, modernização e de integração
nacional.
Assim, integração do território
mineiro por meio da criação de uma malha ferroviária com o intuito de escoar a
produção agrícola e ativar as transações comerciais fazia-se presente nos
projetos do governo mineiro como pode ser identificado na fala do presidente da
província em 1873:
“São as estradas de ferro um poderoso
elemento de civilisação e progresso, e muito contribuem para o desenvolvimento
das indústrias, commercio e agricultura; e por conseguinte, convem animar as
emprezas, que se propõem realisá-las ainda com alguns sacrifícios, que deverão
ser largamente compensados no futuro.” (
OLIVEIRA, 1873. p. 31).
Dentro deste contexto é que se insere
Estrada de Ferro Oeste de Minas, fruto da visão empresarial dos bacharéis Luiz
Augusto de Oliveira e José Rezende Teixeira Guimarães, que juntamente com
outros membros da comunidade de São João Del Rei, constituíram a comissão organizadora da companhia. O ideal do grupo
era construir uma estrada de ferro que partindo da Estrada de Ferro D. Pedro
II, se estenderia até as margens do Rio Grande, no território oeste de Minas
Gerais. Desta forma, sob a égide de uma emancipação progressista e
“civilizatória”, comum neste período não só no Brasil mas em consonância com o
contexto positivista europeu, foi que o presidente da província de Minas
Gerais, Joaquim Floriano de Godoy, por meio da Lei n.° 1.914, de 19 de julho de
1872, autorizou o governo da província conceder empréstimo por quilômetro de
estrada de ferro construída. Sendo assim, por meio de contrato firmado em 30 de
abril de 1873, entre o governo da província e os Drs. José de Rezende Teixeira
Guimarães e Luiz Augusto de Oliveira, autorizou-se a construção de uma estrada
de ferro.[1] A
Lei nº 1.892, de 11 de novembro de 1873, concedeu a José de Resende Teixeira
Guimarães e a Luiz Augusto de Oliveira, 50 anos de privilégio para a construção
da ferrovia que pretendia atingir o Rio Grande.[2]
“(...) partindo de um ponto próximo às vertentes
do Rio das Mortes, na estrada de ferro de Pedro II, vá ter ao ponto navegável
do Rio Grande, com a garantia de juros de 7% sobre o capital de 4 mil contos,
pelo prazo de 50 annos, ou a subvenção de 9 contos por kilometro.”
(OLIVEIRA,1873. p. 31).
Com a Lei Provincial n.º 2.398, de 2
de novembro de 1877, o governo concedeu a subvenção quilométrica autorizando a
construção da estrada, ligando Sítio[1]
(Antônio Carlos) à cidade de São João Del Rei. Em 2 de fevereiro de 1878, foi
criada a sociedade anônima com a denominação de Companhia Estrada de Ferro
Oeste de Minas. O presidente da companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas -
Aureliano Martins de Carvalho Mourão - assinou com o presidente da província em
8 de abril daquele ano, a opção pelo sistema de subvenção de nove contos de
réis por quilometro de estrada construída, alegando desvantagem em relação à
garantia de juros de sete por cento (7%) devido às más condições das praças
comerciais do império nesta ocasião.
A PRIMEIRA DIRETORIA DA OESTE DE MINAS[2]
DIRETOR
|
CARGO
|
OBSERVAÇÃO
|
Aureliano
Martins de Carvalho Mourão
|
Presidente
|
Advogado
|
Custódio de
Almeida Magalhães
|
-
|
Negociante/Comendador
|
José da
Costa Rodrigues Secretário
|
Secretário
|
Comerciante/Comendador
|
Antônio
José Dias Bastos
|
Tesoureiro
|
Negociante
|
Marçal de
Souza e Oliveira
|
|
Comerciante
|
José
Antônio de Almeida -
|
-
|
-
|
Gabriel
Ferreira da Silva
|
-
|
Fazendeiro
|
Eduardo
Ernesto Pereira da Silva
|
-
|
Negociante/Barão
de São João del-Rei
|
José de
Resende Carvalho
|
-
|
Fazendeiro/Barão
de Conceição da Barra
|
Carlos
Batista de Castro
|
-
|
Juiz de
Órfãos
|
Em 20 de julho de 1878, a Companhia Estrada
de Ferro Oeste de Minas teve seus estatutos aprovados. Logo em seguida foram
iniciada a execução do projeto de construção da estrada de ferro, ficando
acertado entre os engenheiros responsáveis, que o entroncamento da Oeste de
Minas com a Estrada Pedro II, seria na estação de Sítio (atual Antônio Carlos).
Foi definida que a nova Estrada de Ferro teria bitola de 0,76m, escolhida
devido às características do relevo da zona a ser percorrida e por ser mais
econômica.[3]
Segundo José Luiz Baptista, a opção
por bitola 0,76m foi influenciada pelos trabalhos realizados na Inglaterra:
A adoção da bitola de 0m,76 parece
ter sido uma consequência da propaganda feita em vários artigos e panfletos
pelo engenheiro inglês Fairly dos resultados obtidos pelo pequeno caminho de
ferro de Festiniog, em os quais pretendeu ter demonstrado que as linhas férreas
de bitola reduzida, custando menor soma de capital de primeiro estabelecimento,
permitem um serviço de tráfego mais econômico do que se consegue nas linhas de
bitola larga. (BAPTISTA, 1942. p.523).
O contrato acertou a construção de
uma estrada de bitola estreita que partindo da Estrada de Ferro D. Pedro II,
nas vertentes do Rio das Mortes, seguiria à oeste até os limites da província.
O primeiro trecho da estrada,
localizado entre Sítio e Barroso iniciado em junho de 1879, possuía quarenta e nove quilômetros (49 km) e,
em 30 de setembro de 1880, começou a ser
trafegável.[4] A
inauguração em 28 de agosto de 1881, do trecho de cem quilômetros (100 km) de
Sítio, à São João Del Rei, passando por São José, contou com a presença do
Ministro da Agricultura, Conselheiro Buarque de Macedo, do Imperador D. Pedro
II e a Imperatriz Tereza Cristina.[5]
A Companhia adquiriu o material
rodante da empresa belga Thyle Chateau, de propriedade dos Srs. Ceramin,
somando quatro mil toneladas de aparato ferroviário. Ao todo a Ferrovia Oeste
de Minas possuía quatro locomotivas, “(...) 4 locomotivas, 4 carros de 1ª. classe,
4 de 2ª., 1 de luxo, 2 de animaes, 15 vagões fechados, 10 abertos e 1 carro
guindaste.” (VAZ, 1922. p.6 e 7).
Em
24 de agosto de 1885, a Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas obteve a
concessão para continuar a estrada até a cidade de Oliveira, o que determinou a
atração de centenas de imigrantes e migrantes para a região de Lavras e da
futura cidade de Ribeirão Vermelho. Ainda naquele ano, em 23 de setembro de
1885, inaugurou-se o trecho de São João Del Rei a Aureliano Mourão.[1]O
traçado com extensão de duzentos e vinte e um quilômetros (221 km) possuía
cento e setenta e dois quilômetros (172 km) de linha tronco e quarenta e nove
quilômetros (49 km) de ramal, estendendo-se por um lado até Oliveira e por
outro, pela margem direita do Rio Grande, até a foz do Ribeirão Vermelho. Nesse
ponto, iniciava o trecho navegável do Rio Grande o qual estendia por cerca de
duzentos e oito quilômetros (208 km) até Capetinga.
Além da existência de imigrantes,
atraídos pela construção dos edifícios da estrada de ferro na região de Ribeirão
Vermelho, outros motivos atraíram a atenção de comerciantes de outras
localidades de Minas. Em 1886, fixaram-se no local os comerciantes Antônio
Lúcio vindo de Capetinga e José Antônio de Almeida de São João Del Rei os quais
organizaram uma empresa para transportar sal até Capetinga pela via fluvial.
No que diz respeito à bitola
utilizada neste segmento da estrada, o engenheiro americano W. M. Roberts,
responsável pelas obras de construção da estrada Ferro D. Pedro II, na subida
da Serra do Mar,[2] redigiu
uma carta por volta de 1881, dirigida ao engenheiro da Oeste de Minas Joaquim
Miguel Ribeiro Lisboa, por ocasião de visita à estrada Oeste de Minas:
“Vejo claramente que esta Estrada de bitola estreita (2 pés e 6 polegadas ), como obra
de engenharia, é um completo sucesso; e não me resta duvida que o moderado
custeio e activa concurrencia da linha, no futuro, de par com uma habil
administração, provarão cabalmente que ella é um sucesso sob todos os pontos de
vista. (...) Se taes estradas economicas não servirem para desenvolver os
desertos interiores do Brasil, promovendo a sua colonisação e cultura, muito menos servirão
estradas de qualquer outra bitola custando o dobro por kilometro.” (ROBERTS,
apud JANSEN, 1922. p.09).
A estação da Companhia Oeste de
Minas, construída no povoado de Porto Alegre, nas proximidades do Rio Grande
foi inaugurada em 14 de abril de 1888, recebendo a denominação de “Estação de
Lavras”. A designação foi alterada em 26 de novembro de 1889, por meio do
Decreto n.º 9.811, passando a se denominar Estação
Ribeirão Vermelho. A nova Estação, teve como seu primeiro agente, José
Pedro de Castro e seu guarda chaves, Bernardo Loureiro Dias, ambos nomeados à
mesma época.[1] Este
mesmo decreto de n.º 9.811, reiterava os interesses da Companhia Oeste de Minas
em integrar o transporte ferroviário ao fluvial e definia que a exploração da
navegação regular do Rio Grande seria privilégio exclusivo dessa Companhia por
dez anos.
“Inaugurada em abril de 1888 a
estação de Ribeirão Vermelho na ocasião constituía um entroncamento ferroviário
e ponto de partida para a navegação do Rio Grande. Construída por espanhóis e
portugueses com estruturas metálicas vindas da Escócia e telhas Marseille
oriundas da França, a estação foi responsável pelo surgimento da cidade”.
(“O
REGIONAL”, 1988. p.01).[2]
Construída na margem direita do Rio Grande, no ramal
de Aureliano Mourão, a Estação de Ribeirão Vermelho ficava a 737,5 m de
altitude, destacando-se como importante ponto de gerenciamento e operações da
Rede para o prolongamento da ferrovia que seguia para o norte e para Goiás e
para o Estado do Rio de Janeiro. O prédio abrigava o chefe da estação e seus
auxiliares e vários telegrafistas que operavam no 2º pavimento; vários guarda-chaves,
responsáveis pelos serviços de cancelas, manobras e bagagens; conferentes,
escaladores de trens e auxiliares dos armazéns de baldeação.[3]
[1]
A Estação de Aureliano
Mourão foi inaugurada em 1887 e se tornou entroncamento das linhas que
seguiam para Divinópolis e Lavras. O nome è uma homenagem ao primeiro
presidente da Estrada de Ferro Oeste de Minas.
[1] Sítio era o ponto de entroncamento com a estrada D. Pedro II. O povoado
que surgiu em torno da Estação de Sítio, pertencia ao distrito de Bias Fortes,
município de Barbacena. A capela de Sítio foi elevada a curato em 10 de outubro
de 1910 e 17 de dezembro de 1938, o distrito de Bias Fortes recebeu o nome de
Sítio. Em 30 de abril de 1941, foi criada a freguesia desmembrada
de Barbacena. A elevação a município se deu em 27 de dezembro de 1948,
recebendo o nome de Antônio Carlos.
[2] SANTOS, Welber Luiz dos A Estrada de Ferro Oeste de
Minas: São João Del-Rei (1877-1898) Universidade Federal de Ouro Preto
-Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Programa
de Pós-Graduação em História. Mariana, 2009.
[3] A
falta de recursos da nova companhia definiu a construção de uma linha com
bitola de 0,76m, que teve o apoio do governo de Minas em 30 de junho de 1879.
[4]
A Companhia contava então com
duas locomotivas tipo Montezuma, da americana Baldwin Locomotive Works, e com
carros da EFPII. (VAZ, M. 1922. p.7. A
inauguração da primeira seção se deu em 30/9/1880). A primeira locomotiva da
fábrica Baldwin chegou ao Brasil em 1862. “Os
tanques TB são a geração mais antiga de vagões tanque da oeste. não se sabe ao
certo o número de unidades da série adquiridas, mas acredita-se que foram em
torno de 5. sua construção é de origem desconhecida, apesar da hipótese mais
provável ser as oficinas da Divinópolis (que eram as únicas da oeste que tinham
equipamento para construir vagões inteiramente em metal). Eram bastante
utilizados para o transporte de óleo e líquidos inflamáveis em geral.
infelizmente, com o tempo o transporte de combustíveis na então EFOM/RMV foi
ficando defasado, e acabou por ser deixado de lado.” Nos anos 1960, esses
tanques foram sucateados. (Disponível na Internet: http://minasstrains.blogspot.com.br/2012/03/carros-e-vagoes-da-oeste-de-minas_7160.html
)
[1]
A primeira diretoria da “Oeste de Minas”
ficou composta pelo Dr. Aureliano Martins de Carvalho Mourão como presidente,
tendo como assessores José da costa
Rodrigues e Antônio dias bastos. (VILELA, 1998. p. 19).
[2]
“Os primeiros carros e vagões da E. F. Oeste
de Minas, segundo o Relatório da Diretoria referente ao ano de 1881, foram construídos
nas oficinas da E. F. Dom Pedro II, no Rio de Janeiro.” (RDEFOM, 1982, p.9).
Disponível na Internet: http://www.oestedeminas.org/
. Acessado em 27 de junho de 2012.
[1]
PIMENTA, José Demerval. Caminhos de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1971.
p. 95.
[2]
CALDEIRA, Jorge. Mauá: Empresário do Império.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.
247.
[3]
CALDEIRA, Op. Cit. p. 260.
[4] SILVEIRA,
Victor (Org.). Minas Geraes: 1925. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926. p. 286.
[5] SILVEIRA, Op. Cit. p. 286.
[6]
PIMENTA, Op. Cit. p. 15.
[7]
pimenta, Op. Cit. p. 81 a 83.
A AGROPECUÁRIA EM MINAS - TEXTO
Reflexões sobre a agropecuária e a
alimentação nas Minas Gerais do século XVIII e XIX
Autor: Carlos Henrique Rangel
1 – As
Atividades Economia das Minas no Século XVIII
“O certo é que, no final do período setecentista, os mineiros já
não tinham mais “sua melhor bodega nos matos e rios” (MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico:
abastecimento Alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina: Maria
Fumaça, 2000, p.112)
No início da ocupação do território mineiro a
preocupação imediata com a exploração aurífera culminou com a falta de
alimentos para a multidão de aventureiros que adentraram os sertões. A fome se
alastrou entre os anos de 1697/1698 e 1700/1701. Nesses momentos difíceis os
mineiros aproveitavam as sobras de carnes, legumes, feijões e verduras nas
farofas e sopas, prática que acabou se incorporando à culinária mineira. Devido
a esse inconsequente imediatismo do início da colonização das minas, muitos
retornaram ao litoral, outros, no entanto, pouco a pouco se especializaram na
produção de alimentos para suprir as áreas mineradoras. [1]
Ilustra
esses acontecimentos, a expedição de João de Góis e Araújo ao sertão do rio São
Francisco por volta de 1700. Acompanhavam esse paulista, um genro e dois
cunhados de Borba Gato que adquiriram gado no arraial de Matias Cardoso para
levarem às Minas.[2]
A agricultura é a forma mais primária através da qual o homem
altera a natureza primeira, o espaço natural. Ao laborar o solo e criar
rebanhos o homem passou a produzir o espaço geográfico. O desenvolvimento da
agricultura (e principalmente a sua intensificação) possibilitou o surgimento
das cidades e a construção de um espaço geográfico cada vez mais artificial. No
Brasil, historicamente a ocupação de novas áreas tem como característica a
intensificação das atividades agropecuárias. Com a exceção da mineração, a
extração vegetal e a agricultura monocultora de exportação foram as atividades
econômicas desenvolvidas no Brasil que determinaram unilateralmente a forma de
ocupação do território brasileiro até o século XX, quando a industrialização
passou a ter importância nas atividades produtivas do País. Até então as
regiões efetivamente ocupadas estavam localizadas na costa e a ocupação do
interior era bastante rarefeita.
(GIRARDI, Eduardo Paulon. A agricultura na
ocupação do território brasileiro. Disponível na Internet: http://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/agricultura_ocupacao.htm.
Acessado em 29 de abril de 2013).
Para
abastecer os mineiros e os viajantes, ao longo dos caminhos surgiram roças,
vendas e ranchos.
A mera existência física de caminhos não garante a circulação de
pessoas. Era necessário que neles existissem locais capazes de fornecer aos
viandantes um lugar onde fosse possível o abastecimento, o descanso e a troca
de animais. Ademais estavam sujeitos, esses viajantes, a constantes ataques de
quilombolas, índios e malfeitores. A ocupação destes caminhos garante por um
lado, a subsistência dos viajantes, e por outro lado a segurança da circulação.
(...) no que se refere ao sesmeiro que ocupa as terras ao longo
do caminho, a circulação que ai se processa oferece a ele uma possibilidade de
renda através da prestação de serviços, bem como do escoamento da sua produção
agro-pastoril. (GUIMARÃES, Carlos Magno. LIANA, Maria Reis. Agricultura e
Caminhos de Minas (1700/1750) – Revista do Departamento de História. Belo
Horizonte, Departamento de História – FAFICH/UFMG, 1987, p.91).
Na
terceira década do setecentos já se vislumbrava as dificuldades para a mineração.
O ouvidor do Rio das Velhas, Diogo Cotrim de Souza informava em 20 de agosto de
1731: “Hoje... estão acabados os descobrimentos de ribeiros e, por acaso,
sucede haver alguns nos morros...” [3]
Os mineiros inicialmente nômades constituíram famílias e se fixaram nas
proximidades da mineração que se tornara mais complexa. Dessas concentrações de
mineiros surgiram os primeiros núcleos urbanos fixos.
No povoado, aos domingos, começou a estruturar-se a vida em
comunidade. As pessoas apresentavam-se nas festas religiosas incorporadas às
respectivas confrarias e cada qual se esforçava para dar à sua irmandade mais
prestígio e brilho. Depois da missa percorriam as casas de comércio e faziam as
compras para toda a semana. Os primeiros povoados chamaram-se
"arraiais"– nome que em Portugal se dava ao acampamento, à reunião
festiva do povo quando das romarias. Em cada área de maior densidade de
mineração surgiu um núcleo urbano. Os senhores das lavras acabaram por se
instalar nestes povoados, embora continuassem a manter suas residências nas
lavras. Os arraiais, oriundos da fixação do comércio ambulante, avolumaram-se
com o duplicar das moradas. Na casa da cidade, o minerador habitava, quando há
negócios. As construções mantiveram-se estritamente citadinas, sem jardins,
árvores ou alpendre. As casas, sem luxo, alinhavam suas fachadas bem sobre a
rua.
(COSTA, Iraci Del Nero. As populações das Minas Gerais no século XVIII um
Estudo de demografia histórica. Revista Crítica Histórica, Ano II, n.º 4,
dez/2011, p. 180,181. Disponível na Internet: http://www.revista.ufal.br/criticahistorica/attachments/article/122/As%20popula%C3%A7%C3%B5es%20das%20Minas%20Gerais%20no%20s%C3%A9culo%20XVIII.pdf.
Acessado em 15 de janeiro de 2014).
A partir
de meados do século XVIII, a
decadência da exploração das riquezas minerais generalizou-se. A população das
Minas começou a procurar áreas férteis para plantação e criação de gado. As
áreas das regiões Leste, zona da Mata e Sul foram ocupadas com roças, enquanto
a região Oeste passou a se dedicar à criação de gado. A região norte, desde os
primeiros tempos da colonização já se ocupava com a criação de gado para suprir
as Minas.
A carne, elemento essencial da alimentação da colônia, foi fornecida
pelo gado que vinha das fazendas estabelecidas ao longo do curso médio do São
Francisco (Bahia). Estimuladas pelo mercado próximo, as fazendas subiram mais a
margem do rio, alcançando o território que é hoje mineiro, e penetram até o rio
das Velhas. Povoou-se assim uma área contígua ao norte dos centros mineradores.
(PRADO JÚNIOR, Caio.
Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia – São Paulo: Brasiliense, 1981, p.57).
À medida que o ouro foi rareando, forçando o
deslocamento da população para outras áreas do território, diversificaram-se as
atividades.
No último quartel do século XVIII a decadência generalizou-se.
Os mineiros passaram a procurar as poucas áreas de terra fértil na região das
Minas ou dirigiram-se para leste - Zona da Mata, de terras mais ricas -, para
as áreas de plantio do sul ou demandaram os campos criatórios situados ao
oeste. Superava-se uma fase da vida econômica colonial, as atenções voltaram-se
redobradamente para a atividade agrícola (LUNA, Francisco V., COSTA, Iraci Del Nero da. 1982, p. 15, 19).
Surgiram em regiões limítrofes à área mineradora, fazendas
agrícolas, legalizadas através de sesmarias[4],
atividade às vezes mais rendosa que a mineração. Em muitas localidades a
atividade de mineração convivia com a agricultura com certa harmonia.
“Os mesmos escravos que mineravam também roçavam e plantavam no
devido tempo. Podemos acrescentar baseado em outros documentos, que fazendas
havia em grande número ainda mais complexas, com plantações de feijão, milho e
outros ‘mantimentos’, canaviais, engenho de cana, moinhos, de farinha, fubá
etc., gado e mineração. A essas fazendas que possuíam minas e lavouras ou
criações chamamos fazendas mistas. Estabelecidas no século XVIII, desde que a
extração do ouro no centro do Brasil provocou a formação de arraiais e povoados
sem conta, essas fazendas caracterizaram a paisagem econômica de Minas, assinalando
uma diferença nítida com a de outras regiões ou capitanias como as de
Pernambuco e Bahia, com os seus engenhos de açúcar e, mais tarde, nos sertões,
as suas fazendas de criação e os seus currais (...) É bem de ver, porém, que à
medida que decresceu a faina mineradora, já no meado do século XVIII, acentuada
no último quartel dessa centúria, e mais ainda e cada vez mais na seguinte, as
fazendas mistas realmente típicas da Capitania, como aliás das outras que se
descobriram, integraram e formaram depois, as de Goiás e Mato-Grosso, foram
desaparecendo ou perdendo tipicidade, passando a ser exceções, até sumirem
completamente” (COSTA FILHO, 1963: 160 e 164/65).
O intelectual José Vieira Couto em seu relato datado
de 1799 deixou as seguintes impressões sobre as terras mineiras daquele período:
As três Comarcas do Rio
das Mortes, de Vila Rica e do Sabará ocupam a parte mais fértil dessa serra; as
suas montanheiras menos íngremes, cobertas de matos e de amenos campos oferecem
aos cultivadores uma fértil superfície, ao mesmo tempo em que os seus
interiores, passados e repassados de ricos veios de metais convidam os mineiros
para os desentranharem: desta maneira o número de seus habitantes sempre se
poderá equilibrar e igualmente repartir-se entre mineiros e agricultores; (COUTO, José Vieira. Memória
sobre as minas Capitania de Minas Geraes. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, 1994, p.53).
Segundo a historiadora Mafalda Zemella a atividade
rural das Minas Gerais no século XVIII, se caracterizou por pequenas produções
de alimentos em roças nas proximidades dos caminhos e estalagens e uma
agricultura de subsistência após a decadência aurífera. Por outro lado, Carlos
Magno Guimarães e Liana Reis destacam a importância da agricultura e seu
sistema escravista[5]
para sustentação da atividade mineradora, tornando-se após a decadência do
ouro, a alternativa econômica das Minas Gerais.
A historiadora Cláudia Chaves em trabalho datado de
1999 detecta uma economia diversificada já no início da colonização do
território mineiro, havendo um mercado consumidor forte com uma articulação
entre a mineração, agricultura e comércio que mais tarde permitiu a superação
da decadência aurífera. Ressalta em seu trabalho, a diversidade econômica e o
dinamismo do comércio entre as regiões mineiras.[6]
As áreas consideradas periféricas, ou melhor, dizendo, que se
situavam fora do perímetro minerador, vão desenvolver atividades complementares
à praticada na região mineradora à medida que esta vai se desenvolvendo e
tornando-se mais populosa. (LAMAS, Fernando Gaudereto. Para além do ouro das
Gerais: outros aspectos da economia mineira no setecentos. Revista de História
Econômica & Economia Regional Aplicada. Jan/jun. 2008. Vol.3, nº 4, p.42).
Segundo José Newton Coelho de Meneses, a alimentação
dos mineiros caracterizada pela carne de porco, frango, batatas, inhame
batata-doce, mandioca e outros, exemplificava a fase de desenvolvimento da
economia diversificada permitindo o acesso da população mais pobre aos
alimentos “menos nobres”, ficando a carne
bovina e os cereais destinados à população com maior poder aquisitivo.” [7]
Os escravos negros muito contribuíram com seus temperos para dar novas versões
aos pratos feitos com mandioca e milho e incrementaram a culinária com
condimentos e frutos como o quiabo e a pimenta malagueta.[8]
“O certo é que, no final do período setecentista, os mineiros já
não tinham mais “sua melhor bodega nos matos e rios”, como os paulistas que
ocuparam a região e os nativos dos primeiros anos do século. Há uma rede
comercial que lhes oferta uma maior diversidade de produtos e há, sobretudo uma
produção local que responde à demanda da população. Se a fome era a companheira
constante da aventura paulista dos primeiros anos de colonização, a
subsistência foi garantida e aperfeiçoada
com o processo de sedentarização no decorrer de todo o período da mineração.”
(MENESES, 2000, p. 112).
Percebemos então que, nos
primórdios da colonização do território mineiro a atividade agrícola
inicialmente negligenciada foi pouco a pouco ocupando seu espaço na nova
sociedade exercendo importante papel na sustentação da mineração. Conforme o
historiador José N.C. Meneses, a agricultura nas “Minas Colonial” não poderia
ser considerada de subsistência, uma vez que no sistema de subsistência, ainda está ausente o cálculo econômico
intelectualizado e o custo de produção é simples, havendo apenas a medição do
trabalho em unidade de tempo. Enquadrar tais características na unidade de
produção da agricultura de alimentos do período colonial mineiro é forjar uma
estrutura que não se sustenta. Meneses em seu estudo sobre a Comarca do
Serro reafirma a visão de que havia conciliação entre as atividades mineradoras
e agrícolas. Minerava-se no tempo “das secas” e no tempo “das águas” aravam e
plantavam. A mão de obra escrava e livre era
disposta de acordo com o tempo, aptidão e o interesse produtivo, comercial ou
de prestação de serviços.[9]
A partir de meados do século
XVIII, a agricultura já era a grande alternativa econômica, juntamente com a
mineração e o comércio.[10] A
atividade permitiu não só a ascensão econômica e social de homens livres
brancos, como a sobrevivência de muitos negros escravos, que, através da
atividade conseguiam comprar a liberdade.
Os mineiros em sua maioria
dedicavam-se tanto à mineração como a agricultura e pecuária, utilizando a
mão-de-obra escrava. Abordando em seu trabalho, precisamente a região da
demarcação Diamantina, Meneses concluiu que “a atividade mineradora dividia espaço e mão-de-obra com a agricultura,
a pecuária e atividades manufatureiras, em uma mesma fazenda, sítio ou
chácara.” [11]
Outro fator a salientar era a
distribuição de terras. Na colônia, as terras objetivavam a ocupação do
território e consequente produção de bens exportáveis e a manutenção da
população. O sesmeiro deveria ser capaz de cultivar a terra, possuindo escravos
e animais, além de arcar com os custos da medição, pagas a partir de 1763, ao
Juiz de Sesmaria.[12] As
fazendas produziam basicamente gêneros alimentícios necessários à
sobrevivência, destacando-se o milho[13], a
mandioca[14],
arroz, feijão, açúcar, carnes de boi, porco e frango, além de aguardente,
algodão e azeite para a iluminação.[15]
Apenas a título de ilustração, apresentamos o quadro a
seguir com alguns dos principais produtos consumidos na cidade de Vila Rica
entre os anos de 1752/1778 e quantas vezes foram citadas com o mesmo valor, nas
pautas de preços elaboradas pela Câmara da cidade. As pautas eram publicadas de
dois em dois meses – seis pautas por ano - e regulamentavam os preços dos
produtos.
REPETIÇÃO DO PREÇO DOS
GÊNEROS BÁSICOS
NAS PAUTAS DE VILA RICA
(1752-1778)
PRODUTOS
|
BIMESTRE
E NÚMERO DE CITAÇÃO DOS PRODUTO
|
PRODUTOS
|
1
|
2
|
3
|
4
|
5
|
6
|
Azeite de
Mamona (a medida)
|
-
|
-
|
2
|
7
|
18
|
52
|
Lombinho
(cada)
|
-
|
61
|
18
|
-
|
-
|
-
|
Farinha
de mandioca (o prato)
|
43
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Farinha
de milho (o prato)
|
62
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Feijão
preto (o prato)
|
24
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Milho ( o
prato)
|
65
|
-
|
-
|
-
|
-
|
-
|
Açúcar da
terra (à libra)
|
-
|
22
|
53
|
4
|
-
|
-
|
Aguardente
da terra (a medida)
|
1
|
32
|
23
|
22
|
-
|
-
|
Toucinho
(a libra)
|
-
|
44
|
33
|
-
|
-
|
-
|
Figura12: Não há pautas de preços para os meses posteriores a
maio de 1768, nem para os anos de 1769, 1770, 1771, 1772, 1773 e 1774. Fonte:
CMOP-64, fotogramas. 552-814 (filme 29) e CMOP-76, fotogramas 689-894 (filme
32). SILVA, Flávio Marcus da. Estratégias
de Mercado e Abastecimento Alimentar em Minas Gerais no século XVIII. IX
Seminário sobre a Economia Mineira. Cedeplar. Disponível na internet: http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2000/textos/silva.pdf .
acessado em 16 de janeiro de 2014, p. 115.
A maioria da população dos distritos mineradores, e é ainda
assim no alvorecer do séc. XIX apesar da decadência da mineração ocupa-se aí na
extração do ouro e diamantes, que ao contrário da grande lavoura, não permite
este desdobramento de atividades que encontramos nesta última, e que torna
possível aos indivíduos nelas ocupados dedicarem-se simultaneamente a culturas
alimentares de subsistência. O trabalho das minas é mais contínuo e ocupa
inteiramente a mão-de-obra nela empregada. Sob este aspecto, as populações
mineradoras se assemelham às urbanas. Tal fato provocou em Minas Gerais, mais
densamente povoada que outros centros de extração de ouro, o desenvolvimento de
certa forma apreciável de uma agricultura voltada inteiramente para a produção
de gêneros de consumo local.
(PRADO JÚNIOR, 1981, p. 162).
[1] Na primeira metade do século XVIII os aumentos de
preços dos alimentos foram frequentes nas Minas Gerais.
[2] Márcio Santos cita o
documento: Carta de João de Góis e Araújo para Dom João de Lencastro, 06/03/1701. Arquivo da Casa de Cadaval. cód. 1087 (k
viii 1k), fls. 482-483. Publ. em Antonil, op. cit., p. 393-395. (SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. trabalho “a cópia setecentista do
mapa de Jacobo
Cocleo:
leituras e questões”, Anais do 1º simpósio brasileiro de cartografia histórica. 10 a 13 de maio de
2011. p.14. Disponível na
Internet: https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/santos_marcio_roberto_a.pdf. Acessado em 29 de
abril de 2013. Miguel Costa Filho, também informa essa data.
(COSTA
FILHO. 1963, p.57,
58)
[3] BARBOSA, waldemar de Almeida. A decadência das Minas e a fuga da
Mineração. Belo Horizonte: Imprensa da universidade Federal de Minas Gerais,
1971, p.17.
[4] “Sesmaria deriva, para alguns, de sesma,
medida de divisão das terras do alfoz; como, para outros, de sesma ou sesmo,
que significa a sexta parte de qualquer cousa; ou ainda, para outros, do baixo
latim caesina, que quer dizer incisão, corte. Herculano parece tê-la
como procedente de sesmeiro, cuja filiação etimológica, entretanto, não
indica”(LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e
terras devolutas. 4 ed.Brasília: ESAF, 1988.p.19).
Durante
todo o período colonial a forma de aquisição de terras ocorria por meio de
sesmarias. As cartas de sesmarias foram instituídas em 1375 em Portugal, quando
da sua formação enquanto nação. As sesmarias garantiam que os seu recebedor
teria posse vitalícia da terra doada desde que a mantivesse produtiva. Martim Afonso de Souza concedeu as primeiras
sesmarias no Brasil no século XVI. Em 17 de julho de 1822, a Resolução n.º 22 –
Resolução de Consulta da Mesa do Desembargador do Paço – extinguiu o sistema de
distribuição de terras por sesmarias. Somente em 18 de setembro de 1850 é que
surge uma nova regulamentação para a posse de terras – a lei n.º 601,
denominada Estatuto das Terras Devolutas ou Lei de Terras. (PANIAGO, Einstein
Almeida Ferreira. Sesmarias, Registros paroquiais e Políticas Expropriantes das
Terras em Goiás. Disponível na Internet: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=4&ved=0CEQQFjAD&url=http%3A%2F%2Fwww.revistas.ufg.br%2Findex.php%2Frevfd%2Farticle%2Fview%2F15154%2F9537&ei=y3GCUaXNJsjz0gHzxIG4BQ&usg=AFQjCNGb5k6JFsC0-dWGLNd0lAxCgvoR9Q&sig2=us9X72bXlm8pwfjW3_s3aw . Acessado em 2 de maio de 2013).
[5]Os escravos trabalhavam nos engenhos, nas lavouras e exerciam as
funções de ferreiros e carpinteiros, além de serem envolvidos no transporte de
mercadorias pelos caminhos de Minas e para o abastecimento do Rio de Janeiro.
[6] MENESES,
José Newton Coelho. O Continente Rústico:
abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas. Diamantina: Maria
Fumaça, 2000, p. 88,89.
[7] MENESES, 2000, p. 96, 97.
[8] Importante
salientar que nas fazendas comiam-se diariamente verduras e legumes frescos
colhidos na hora.
[9] MENESES, 2000,
p.
166 a 168.
[10] A partir das últimas décadas do século XVIII as fazendas começaram
produzir alimentos e vestimentas. No oitocentos, surgiram as plantações de café
e a indústria de laticínios. a produção de café iniciada no Rio de Janeiro se
estendeu pelo sul de minas gerais e pelo sul do território do espírito santo e
finalmente leste de São Paulo. O café
tornou-se o principal produto nacional a partir de meados do século XIX e
início do século XX.
[11] MENESES, 2000, p. 159. Por causa
das
dificuldades dos primeiros tempos os mineiros do setecentos
preferiam alimentos cozidos e evitavam desperdício. As sobras eram utilizadas
em farofas e sopas. Na região do rio das velhas já na primeira década do século
XVIII existiam engenhos e plantações de milho e cana-de-açúcar. (SILVA, Flávio Marcus da. Estratégias
de Mercado e Abastecimento Alimentar em Minas Gerais no Século XVIII. IX
Seminário Sobre a Economia Mineira. CEDEPLAR. Disponível na internet: http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2000/textos/silva.pdf . Acessado
em 16 de janeiro de 2014, p. 105).
[12] MENESES, 2000,
p.
153,154.
[13]Planta da família gramineae o
milho é originário da América Central, cultivado a sete mil anos. Foi muito
cultivado pelos maias, astecas e incas. No período colonial os escravos negros
eram alimentados com milho e mandioca.
[14] A mandioca é cultivada na América há mais de dois mil e quinhentos
anos antes de Cristo. O alimento tem lugar de destaque na formação
socioeconômica e cultural do Brasil e ainda hoje compõe o prato de vários
segmentos da população. Já no século XVI
a sua utilização pelos índios era mencionada pelos jesuítas que perceberam a
sua importância vital para a sobrevivência da colônia.
[15] MENESES,2000, p. 169.
2 – As Atividades Economia das Minas
no Século XIX
A partir do século XIX, a agropecuária substituiu o
ouro como principal atividade econômica de Minas Gerais, predominando a criação
de gado e porcos, a plantação de milho, mandioca e café, feijão, farinha de
mandioca e aguardente etc. As Minas Gerais, com sua economia “autossuficiente e
limitada”, ainda assim abastecia com seus produtos agrícolas o Rio de Janeiro e
São Paulo. [1] O
café sul mineiro mostrava a sua força, sendo responsável pela maior parte da
arrecadação de impostos da província, deixando a pecuária em segundo lugar. O
território mineiro chegou a ser ocupado em 96% - noventa e seis por cento - por
fazendas que absorviam 79% - setenta e nove por cento - da mão de obra escrava
da província.
Ilustra bem esse progresso as observações do
viajante francês, Auguste de Saint-Hilaire,[2]
sobre a vida dos fazendeiros nas primeiras décadas do oitocentos:
Entre os mineiros, os homens de maior consideração são
seguramente, os que habitam o campo e, sobretudo, os fazendeiros das zonas
auríferas do centro da província. Esses proprietários, e, particularmente, os
que exploram minas, geralmente superiores pelo trato e pureza de linguagem, não
só aos nossos simples campônios, como ainda, aos nossos mais ricos lavradores,
e, como já tive ocasião de dizê-lo, existem mesmo vários deles que fizeram
alguns estudos. Quase todos os homens brancos não trabalham pessoalmente e
contentam-se em dirigir os escravos. (...)
Suas casas oferecem, em regra, poucas comodidades e não possuem
em geral nenhum ornato sobre a brancura das paredes. Como custaria muito
dinheiro mandar vidraças em lombo de burro desde o litoral até o interior,
deixam-se as janelas completamente abertas durante o dia e à noite fecham-se
com a aldrobas. Não se conhecem nas casas de fazendeiros nenhum desses móveis
que acumulamos em nossos aposentos. Guardam-se as roupas nas malas, ou, antes,
dependuram-se em cordas, afim de preservá-las da umidade e dos insetos. As
cadeiras são raras e as pessoas se sentam em bancos, tamboretes de madeira e
escabelos. Nas casas dos ricos, os leitos são os móveis que merecem maiores
cuidados; as cortinas e as colchas são muitas vezes de damasco, e os lençóis de
um tecido de algodão muito fino, tem guarnições de renda. Quanto ao colchão,
compõe-se simplesmente de um fardo de palha de milho desfiada; mas, em país tão
quente, dormir-se ia pior sobre lã ou penas. (...)
Os habitantes do Brasil, que fazem geralmente três refeições por
dia, têm o costume de almoçar ao meio dia. Galinha e porco são as carnes que
servem mais comumente em casa dos fazendeiros da Província das Minas. O feijão
preto forma prato indispensável na mesa do rico, e esse legume constitui quase
a única iguaria do pobre. Se a esse prato grosseiro ainda se acrescenta mais
alguma coisa, é arroz, ou couve ou outras ervas picadas, e a planta geralmente
preferida é a nossa serralha que se naturalizou no Brasil e que, por uma
singularidade inexplicável se encontra frequentemente em abundância nos
terrenos em que recentemente se fizeram queimadas de mata virgem. Como não se
conhece o fabrico da manteiga é substituída pela gordura que escorre do
toucinho que se frita. O pão é um objeto de luxo; usa-se em seu lugar a farinha
de milho, e serve-se esta última ora em pequenas cestinhas ou pratos, ora sobre
a própria toalha, disposta em montes simétricos. (...)
É muito
raro encontrar vinho em casa de fazendeiros; a água é a sua bebida ordinária,
e, tanto durante as refeições como no resto do dia, é ela servida em um copo
imenso levado em uma salva de prata, e que é sempre o mesmo para todos.
(SAINT-HILAIRE, 1975, p.126 a 129).
Roberto Martins em sua tese de Doutorado concluía
que, com base na agricultura e pecuária para o consumo interno, a Minas Gerais
do oitocentos prosperava e era a maior importadora de escravos até a extinção
do tráfico em 4 de setembro de 1850 por meio da Lei Eusébio de Queiróz.[3]
Ainda no século XVIII e depois no XIX, as farinhas
de mandioca e de milho e as carnes de sol ou conservadas na banha compunham as
refeições de tropeiros e da população fixa.
A cozinha que alimentava os tropeiros era seca, a farinha era
"matutagem" de primeira necessidade dentro dos seus embornais. Em uma
palavra a cozinha dos tropeiros era ambulante. Ela levava consigo só o que não
era perecível. Assim, seu cardápio era composto de carnes conservadas em
gordura ou no sal, feijão tropeiro, brotos nativos encontrados a cada parada. Tudo
feito para cumprir seu destino: o de seguir viagem.
(NUNES, Lucinha. Cozinha de
Minas um pouco de sua História. Disponível na Internet: http://correiogourmand.com.br/info_01_cultura_gastronomica_02_cozinhas_do_brasil_05_minas_gerais.htm
. Acessado em 15 de janeiro de 2014).
Há de se lembrar que, durante o período colonial a
farinha de mandioca na forma de bolos, beijus, sopas e angus ou mesmo misturada
à água, feijão e carnes era o alimento mais utilizado. Em Minas Gerais, o milho
substituía a farinha de mandioca.[4]
Os mais pobres se alimentavam geralmente de feijão preto, arroz, couve ou outro
tipo de folha. No
período colonial os negros eram alimentados com milho e mandioca. Segundo
Eduardo Frieiro, a alimentação dos escravos era o feijão e “angu mal cozido” ou
em alguns casos banana, laranja e farinha de mandioca.[5]
Cerca de cinquenta anos depois da viagem de Saint
Hilaire – 1867 - Richard Burton descreveu um jantar oferecido em uma estalagem
entre Barroso e São João Del Rei:
A carne consistia em um naco de porco assado, no qual se absterá
de tocar qualquer estrangeiro, no Brasil, depois de ter travado conhecimento
com o sistema de criação do animal preferido por São Jorge. Diante dele, os
porcos vendidos nos mercados das índias são um exemplo de boa criação. Há em
geral galinha “au riz”, com cabeça e pescoço, miúdos e quatro pés, mas,
provavelmente, faltando uma asa e uma coxa. Os ovos fritos são tão comuns como
os pombos e omeletes na Itália. O Brasil, como a Inglaterra, é uma terra de um
só molho, pimentas vermelhas e amarelas, colhidas no quintal e esmagadas com
caldo de limão. A feijoada, conhecida na região como tutu de feijão, é o pão de
cada dia de muitos lugares onde o pão de trigo não é procurado e o pão de milho
é desconhecido. Ouvi um irlandês chama-lo de “cataplasma de feijão”, e essa
denominação cabe, sem dúvida alguma. É uma mistura de farinha com feijão,
temperada com toucinho – o óleo, e a manteiga de cozinhar do país. O tecido
adiposo do porco, depois de serem tirados os ossos, as entranhas e a carne,
ligeiramente salgado, fica higienicamente bem adaptado ao feijão, combinando
carbono com nitrogênio; infelizmente, ele faz parte de quase todos os pratos, e
não faz bem à digestão do “jovem Brasil”. (...) O arroz é cozido sensatamente.
Os brasileiros conhecem o processo, ao passo que os ingleses e anglo-americanos
ainda persistem em comer a casca.
Como sobremesa, aparecem a canjica, milho cozido, e doces
apreciadíssimos por todas as classes e idades. A canjica é temperada com
rapadura, e acompanhada de marmelada ou goiabada. As duas últimas são
apresentadas em caixas de pau ou latas rasas. São as preferidas de todos,
supondo-se que facilitam a digestão, e acompanhadas de queijo salgado, do mesmo
modo que em Yorkshire se serve queijo junto com pudim. O vinho, quando há é
chamado Lisboa, e é um rum de melaço, com corante e valendo metade do pior
vinho das uvas de Barbacena; seu nome popular é “cáustico”. Às vezes, há um
vinho de Bordeaux,(...). Toda refeição termina, invariavelmente, com uma xícara
de café, não a “água de batata” da Inglaterra, mas embora forte, mal feito. .(BURTON, Richard. 1976).
Mais tarde, o engenheiro inglês James Wells no
início de sua entrada em Minas no ano de 1873, descreveu a alimentação servida
em um hotel em que ficou hospedado em Chapéu das Uvas, atual Paula Lima:
Logo um odor de cebolas, banha e alho, e café torrado invade o
estabelecimento; uma negra velha emurchecida, com aparência de bruxa, meio –
vestida com trapos andrajosos e escurecidos de gordura e fumaça, estende sobre
a mesa uma toalha grossa de algodão de Minas e volta com pratos de feijões
cozidos e toucinho, frango ensopado e arroz, um pernil indefinível, um monte de
carne de porco assada, outro monte de carne de boi estorricada até às cinzas (uma
ilha em um lago de gordura amarelo-clara), uma vasilha de farinha, algumas
porções de massa de pão dura, duas caixas de madeira de goiabada, laranjas,
bananas e queijo holandês, umas poucas garrafas de cachaça e “cinta-negra”
(vinho português, vinho tinto ou “figueira”), pratos, facas e garfos de cabo de
ferro, que nunca foram polidos, e “o jantar está pronto”. (WELLS, James W.
Explorando e viajando – Três mil milhas através do Brasil – do rio de Janeiro
ao Maranhão. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos
Históricos e Culturais, 1995, vol. I, p. 75).
Pouco depois, já hospedado no antigo arraial de São Gonçalo da Ponte – atual Belo Vale
–Well externou sua visão sobre a culinária mineira que lhe parecia repetitiva:
O cardápio era o inevitável frango cozido com arroz, feijão
preto, batatas, abóbora, couve e farinha de mandioca, restilo (aguardente de cana, ou cachaça, redestilada) e vinho
português (cinta negra). Estávamos todos famintos demais para criticar o que
quer que fosse, e rude e malservida como era a nossa mesa, nunca um jantar foi
tão bem apreciado. (WELLS, 1995, vol. I, p. 104).
A concentração de propriedades rurais em determinadas
regiões originaram vários povoados e que mais tarde tornaram-se importantes
municípios.
[1]
ANDRADE, Leandro Braga. Escravismo, campesinato e desigualdade na
economia de Minas Gerais no século XIX. Mariana: 1820-1850. Anais do I Colóquio
do LAHES. Juiz de Fora, 13 a 16 de junho de 2005.
[2]Durante as suas viagens Saint-Hilaire e seus
acompanhantes almoçavam regularmente o que carregavam: feijão preto cozido com
toucinho, arroz e algumas xícaras de chá, farinha de milho ou mandioca.
(SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem do Rio de Janeiro a Ubá passando por Porto
da Estrela e a estrada principal de Minas Gerais. in.: Viagem às Nascentes do
Rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, USP. 1975, vol.4, p.66).
[3] MARTINS, 1982, p. 24.
[4] HISTÓRIA da Vida Privada. 1997, vol.1, p. 124.
[5]FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a
comida dos mineiros. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São
Paulo. 1982, p. 119.
[6] WELLS, 1995, vol. i, p.106.
[7]
A fazenda Boa Esperança foi tombada pelo
IEPHA/MG - Decreto Estadual nº 17.009, de 27 de fevereiro de 1975. Publicado no
“Minas Gerais” – diário do executivo em 28 de fevereiro de 1975, pág. 7, col.1.
Livros do tombo I,II,III. Foi tombada
pelo IPHAN - processo nº 569-t; inscrição nº 450, livro belas-artes,
volume 1, folha 84, de 27 de agosto de 1959. Em Brumadinho, a Fazenda dos
Martins, também tombada pelo IEPHA/MG (1977) é outro destaque do século XVIII.
Sua construção é atribuída a Pio Martins que teria sido membro da expedição de
Fernão Dias. Seu genro – Manoel Rodrigues Rabelo – teria transformado a fazenda
em “empório de escravos”.
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