PROTEUS EDUCAÇÃO PATRIMONIAL 22 ANOS

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

TOMBAMENTO POR VIA LEGISLATIVA E JUDICIÁRIA



4.2. Tombamento – ato legislativo?
(O Estado na Preservação de Bens Culturais -
S o n i a R a b e l l o - Rio de Janeiro | IPHAN| 2009  p. 47 a 52)
 


Tal como está previsto no Decreto-lei 25/37, o tombamento é ato administrativo cuja competência para praticá-lo foi atribuída pela lei a órgãos específicos do Poder Executivo. A lei, como decorre de suas características de generalidade e abstratividade, previu as hipóteses genéricas nas quais caberá o exercício do poder de polícia pelo órgão competente da administração federal. Deste modo, não restam dúvidas de que, no âmbito delimitado pela Constituição e pelo Decreto-lei 25/37, a administração pública praticará, mediante ato administrativo, a proteção dos bens que julgar inseridos nos critérios de valor genericamente previstos na norma, e especificados nos seus estudos técnicos. Será através de seus estudos técnicos que ficarão determinadas as hipóteses nas quais bens podem ser considerados de valor cultural. Quando nos referimos a estudos técnicos que servirão de verificação do motivo do ato administrativo, pressupomos que esses estudos informem uniformemente critérios que motivem o ato administrativo. Não é, portanto, admissível que este ato administrativo deixe de mencionar a base teórica coerente na qual se pautou para determinar o valor cultural de determinado bem. Pressupõe-se, ao menos, que a técnica conduza a critérios objetivos, ainda que subjetivamente escolhidos pelo sujeito competente para determiná-los, e variáveis em relação ao tempo de sua aplicação.

A questão que se apresenta, por ora, é a indagação sobre a possibilidade de se concretizar a proteção de bens culturais, ou seu tombamento, por meio de ato legislativo. (negrito nosso)

A primeira distinção que se deve relembrar diz respeito à diferença conceitual entre proteção genérica e tombamento. Este último é ato específico de proteção, previsto no Decreto-lei 25/37, e caracteriza-se pelos aspectos jurídicos ali previstos.

Já mencionamos que o tombamento não esgota as formas legais de proteção dos bens de valor cultural, uma vez que a Constituição não determinou as formas, e sim o dever do Estado de proteger. Destarte, só haverá tombamento se a proteção se der através do processo previsto naquele diploma legal, sem que isto implique a eliminação de outras formas jurídicas de proteção. Pelo Decreto-lei 25/37, que institui o tombamento, este se dá por ato do Poder Executivo.
A pergunta que se faz, por outro lado, é se poderia o Legislativo federal tombar bens por intermédio de atos por ele emanados. (negrito nosso)
 

A questão envolve aspectos de duas ordens. A primeira, relativa à matéria, objeto do ato legislativo; e a segunda, relativa à subjetividade do ato praticado pelo Legislativo.

Em relação à primeira, ressaltamos basicamente a questão da competência e da natureza da norma.

 É competente o Legislativo para dispor sobre o assunto? (negrito nosso)
 Parece óbvia a resposta, uma vez que se assim não fosse não poderia ele estabelecer a regra geral que confere ao Executivo a necessária legalidade para a sua ação, bem como os parâmetros dentro dos quais irá exercer o seu poder de polícia. O Legislativo é, pois, competente para legislar sobre qualquer forma de proteção ao bem cultural.

Contudo, é de se acentuar que a norma jurídica (legislativa) tem características peculiares que a distinguem de outros atos – vale mencionar especialmente, neste caso, as características de generalidade e de abstratividade. A primeira pressupõe uma situação igual das pessoas (ou grupo de pessoas a quem se dirige), sem distingui-las, passando a ser atingidos pela norma todos aqueles que estiverem na situação por ela prevista, sem individualização. O segundo aspecto, o da abstratividade, caracteriza-se por dispor sobre situações em tese.
No entanto, quanto a este segundo aspecto, muitos doutrinadores, entre eles Kelsen, Ripert e Savatier, admitem a incidência, cada vez maior, das chamadas normas
in concreto, considerando relativo o caráter de abstratividade da norma jurídica4.

Aplicando-se esses conceitos à matéria de proteção por ato legislativo, formulam-se duas hipóteses: a primeira seria aquela através da qual o ato legislativo protege, automaticamente, toda uma categoria de bens. A segunda seria a hipótese na qual o ato legislativo protege um bem certo e determinado. No primeiro caso, não vemos qualquer dificuldade em admitir sua constitucionalidade – a lei, como fonte de direito, que restringiu o exercício de direitos relativos a um grupo de bens, tendo, no mínimo, a característica de generalidade. De generalidade porque opera em relação a todos quantos forem titulares de direitos em relação àquela categoria de bens, sem distingui-los, senão enquanto insertos nesta categoria. É o que comumente acontece nas leis de preservação florestal, de arqueologia, saída de bens de valor cultural do País, já mencionadas.
 
É importante esclarecer que a proteção de uma categoria genérica de bens, por via legislativa, há de prever os efeitos relativos a esta proteção, uma vez que, não sendo ato emanado do Executivo, pelo processo referido no Decreto-lei 25/37, não se pode chamar de tombamento esse tipo de proteção.  (negrito nosso)
A lei que prevê a proteção de uma categoria genérica de bens poderá, eventualmente, equiparar os efeitos de sua proteção aos efeitos do tombamento; ainda assim, porém, não se inserirá na categoria de bens tombados, mas naquela de bens preservados, cujos efeitos jurídicos podem até se equivaler. (negrito nosso)
 Uma lei que apenas diga que determinados bens estão "protegidos", sem estabelecer a consequência desta proteção, é inócua; se a lei objetivar que seus efeitos venham restringir direitos, ao menos a previsão genérica dos efeitos dessa restrição deverá estar nela indicada, para que se obedeça ao princípio constitucional da legalidade.
A questão da abstratividade da lei relaciona-se diretamente com o princípio da separação de poderes prevista na Constituição Federal. De modo geral, as leis não abstratas, e que de fato realizam manifestações volitivain concreto, não são normas de previsão e ordenação de direitos e obrigações, mas atos de realização do Direito. Ora, é próprio do Poder Executivo o exercício da função de realização dos atos concretos de Direito, enquanto ao Legislativo cabe a previsão das suas hipóteses abstratas. É certo que a abstração da norma não encontra limites rígidos ou absolutamente definidos. 
Como mencionamos anteriormente, esta sua característica, atualmente, é bastante relativizada por alguns autores. Parece que a discussão dos limites da abstratividade da norma jurídica encontra sua repercussão exatamente no ponto de distinção das funções estatais. Ao se admitir, amplamente, a não abstratividade da norma jurídica, estar-se-ia, na prática, admitindo o exercício da função executiva pelo Poder Legislativo, já que este poderia não só prever o direito em tese, como também estabelecer e concretizar sua aplicação caso a caso.
 
Assim o entende Santi Romano, quando especifica que há princípios constitucionais decorrentes da própria estruturação da separação constitucional de poderes na Constituição. Segundo o referido autor,
(...) existem princípios fundamentais, estejam ou não contidos na Carta Constitucional, a cuja observância, sempre como regra diretiva, o Poder Legislativo está obrigado (...) outros limites resultam do próprio princípio da divisão de poderes pelo qual (...) o Poder Legislativo deve abster-se de exercer atribuições que seriam próprias dos outros dois poderes.

Para conclusão deste pensamento, faz-se necessário distinguir claramente as funções dos poderes do Estado, sem o que não haveria razão ou sentido na própria separação: à função executiva foi reservada a atividade de efetivação dos fins estatais mais imediatos, enquanto ao Legislativo coube a sua previsão abstrata.
No caso que examinamos, e dentro da relatividade desses limites, poderíamos conceber que, quando a preservação derivar de ato legislativo e inexistir abstratividade na norma, ao menos a característica de generalidade há que ser respeitada. Quando à generalidade, ela estará presente se, de alguma forma, o objeto da preservação estiver inserido em alguma categoria ampla ou, em outras palavras, se o que estiver preservado, por decorrência direta da lei, não for um bem específico, mas uma categoria de bens.

Devemos, ainda, acrescentar outro limite constitucional em relação a este tema: o princípio da isonomia, que, de alguma forma, se conjuga com a característica da generalidade da norma.
Entende-se que o princípio constitucional da isonomia não se resume na igualdade dos cidadãos perante a lei, mas também igualdade na lei. Não cabe, portanto, à norma jurídica distinguir ou fazer distinções aleatórias ou arbitrárias.  Admitem-se as distinções, desde que logicamente adequadas. No caso específico, a preservação de bem individualizado, por ato legislativo, não inserido em nenhuma categoria específica ou ampla, estaria estabelecendo distinção infundada (já que não cabe à lei justificativa técnica de tombamento, como é o caso da motivação do ato administrativo).
Não cabendo à lei justificação técnica, a preservação de bem individualizado daria à coisa e, consequentemente, ao seu titular de domínio, por falta de generalidade, tratamento não isonômico e, portanto, inadmissível perante a Constituição.
Vimos, deste modo, que a questão relativa da generalidade da lei pode, na hipótese discutida, juntar-se ao princípio constitucional da isonomia para análise dos limites da possibilidade de preservação através de ato legislativo. É, pois, de concluir-se que esta ação do Legislativo encontra restrições constitucionais a partir do princípio da separação de poderes e do princípio da isonomia. Em ambos os casos, será necessário que a lei, ao estabelecer a preservação de forma direta, o faça ao menos para categorias de bens das quais se possa inferir a legitimidade dessa distinção em relação aos demais.

PROTEÇAO DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO.
TOMBAMENTO PELA VIA JUDICIAL OU POR LEI.
Robeto Brocanelli Corona e Naira Suza Grossi

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